Nove anos depois…

Faz quase nove anos que comecei a escrever neste blog – e quase nove anos que deixei de escrever nele. O curioso é que, durante todo esse tempo, não deixei de receber notificações de comentários de gente querendo saber mais sobre a distimia, sobre como eu estou, se estou viva. Gente querendo ajuda para lidar com pessoas próximas diagnosticadas com a doença, buscando formas para apoiar esses pacientes sem muita perspectiva.

Negligenciei todos esses pedidos de auxílio – e, por isso, peço desculpas. Há tempos quero vir aqui dar notícias, escrever como as coisas estão, mostrar (se há) uma luz no fim do túnel. Mas, geralmente, a preguiça fala mais alto, ou acabo lembrando o principal motivo de ter deixado de escrever aqui. Algo que, neste texto, pretendo explicar.

Nesses nove anos…

…passei por muitas fases, mais ruins do que boas. O mais importante: continuo em tratamento psiquiátrico. Foram curtos os períodos em que não tomei algum antidepressivo (e foram por meu próprio descuido). Ainda me acostumo com a ideia de que, provavelmente, nunca deixarei de tomar um coquetel de medicamentos psiquiátricos. Afinal, a distimia é uma doença crônica que me acompanhará por toda a vida, e que, ao menor descuido, poderá minar tudo que construí.

Além de acompanhamento psiquiátrico, não ache que um distímico vai conseguir viver melhor sem fazer terapia. Minha psicóloga nem é das melhores, mas ela me ajudou muito a lidar com os meus demônios, a identificar as armadilhas que eu mesmo crio para me sabotar, a perceber o que eu posso colocar na conta do outro e o que é minha culpa ou responsabilidade.

Isso me ajudou bastante a evitar o desgaste com as outras pessoas: algo tão característico dos distímicos. Grande vitória! Mesmo. Diminuir os conflitos com quem o cerca facilita um bom bocado a vida. O grande problema é que o mais difícil é lidar com aquele vazio que está dentro da gente, que nos deixa melancólicos, sem vontade, sem perspectiva, sem esperança. Essa, ah!, é uma batalha muito mais complicada e dolorosa de enfrentar.

E por que deixei de escrever neste blog?

Em um primeiro momento, deixei de escrever simplesmente porque não tinha vontade. Não me sentia particularmente motivada (e quando é que um distímico se sente?!), tinha preguiça. Depois, porém, comecei a notar algo bem preocupante: eu estava usando a distimia como desculpa para tudo.

Quando usei o diagnóstico até em uma entrevista de trabalho – para demonstrar o quanto eu era o máximo por conseguir grandes resultados mesmo tendo uma doença que me impõe uma dificuldade tão grande -, percebi que deveria rever as coisas. Na época, TUDO na minha vida girava em torno da distimia, era só o que eu falava. Sabe aquilo que fiz pra você, ex-affair? Descobri que foi porque tenho algo chamado distimia. Sabe por que não quero fazer isso? Ah, eu tenho distimia… E assim a coisa ia.

Um dia eu parei para refletir e concluí que era muito fácil usar a doença para justificar todos os meus problemas, todas as minhas falhas, todas as minhas más escolhas. O fato é que, não, nem tudo que acontece comigo tem a ver com a distimia, nem tudo é inevitável por causa desse distúrbio. Eu precisava aprender a reconhecer o que era e o que não era, para poder agir da melhor forma possível para resolver a questão.

Por isso, parei de ler e falar sobre distimia. Não comecei a simplesmente ignorar que tenho a doença, mas a não deixar que ela se tornasse o centro da minha existência.

Acho que foi a escolha certa, olhando em retrospecto. Escolhi este momento em particular para voltar a falar sobre isso porque estou bem. A armadilha de se vitimizar está bem guardada. Esperem outros textos em breve sobre o que aconteceu comigo nesses 10 anos. Até mais.

Mais um sábado à noite em casa

São 21h30min de um sábado e estou em casa. Tenho uma festa para ir, aniversário de colega de trabalho. Até gostaria de marcar presença, mas não tenho vontade de sair daqui. Fiquei o dia inteiro trancada praticamente, só saí para comprar comida.

Ah, comida. Como nada nunca faz sentido pra mim, tenho a comida como alento nas piores fases da distimia. É uma premiação. Tudo está dando errado. Pelo menos posso passar na padaria e comprar uma mil folhas. Ou um Cornetto. Ou três Cornettos. Ou três Cornettos, uma cuca de leite condensado e coco e um pote de doce de leite.

Sim, doces são uma premiação para mim. Tem uma explicação científica, a tal da serotonina, que os distímicos tem alterada. É a substância do humor no cérebro. Maldita serotonina. Mas também tem o fator viciante do carboidrato, explicou ontem meu psiquiatra. Muitos distímicos abusam do álcool ou das drogas. Eu abuso dos doces. É meu vício.

Aliás, fui anoréxica pouco mais de 10 anos atrás. Talvez tenha começado ali minha distimia. Não sei, acho que um pouco antes. Minha mãe fala que eu era uma criança muito alegre até lá pelos 11 anos, quando comecei a menstruar. Diz meu psiqui que é muito importante descobrir quando a doença começou. Quanto mais cedo, mais difícil de se tratar. É até óbvio, pelo fato de a pessoa ter passado mais tempo neste funcionamento melancólico. Mesmo tirando os componentes físicos da distimia com os remédios, diz ele, a pessoa continua a se comportar distimicamente (inventei a palavra), simplesmente porque foi assim que agiu quase a vida inteira.

Eu estou tentando voltar à minha dieta, mas não tenho disciplina. Afinal, pelo menos isso pode me deixar melhor e só depende de mim. Ai ai. Que saco.

Bom, vou pegar um Guaraná Zero e continuar a ver Nine. Já parei umas 50 vezes de ver esse filme. Está muito silencioso aqui.

O desespero de uma vida quase perfeita

Tenho um lindo e amplo apartamento em um bom bairro de uma agradável capital brasileira. Minha família é ótima. Nada de traumas de falta de amor na infância. Meus pais me amam e fazem tudo para me ajudar. Tenho graduação em Jornalismo em uma respeitada universidade federal. Trabalho há anos no melhor e maior jornal do Estado. Tenho apenas 26 anos e já tenho minha própria coluna no jornal. Nenhuma doença física mais séria até aqui. Enfim, tenho uma vida bastante boa para o padrão do brasileiro. Mesmo assim, penso todos os dias em me jogar do oitavo andar do meu prédio para uma morte libertadora.

Simplesmente não tenho nenhum apego pela vida. Nada tem graça, viver é tão… penoso. É uma sensação de melancolia sem fim, vontade de bater em todo mundo, um mau humor ao extremo. No geral, não gosto de me socializar, mas ao mesmo tempo me sinto totalmente solitária. A única coisa que me faz querer viver é alguém para amar, mas sempre acabo metendo os pés pelas mãos e perdendo quem eu gosto.

Faz tempo que me sinto assim. Nem sei quando começou. Sempre me chamaram de mal humorada, geniosa, melancólica, difícil de se lidar. E isso prejudica toda a minha vida de uma maneira irreparável. Mas não consigo evitar. Sinto-me uma injustiçada por ter que viver o tempo inteiro.

Eis que, no ano passado, descobri que isso é uma doença.  Sério. É apelidada de “doença do mau humor”. O nome verdadeiro: distimia. É classificada como um dos transtornos do humor, como depressão maior, transtorno bipolar e ciclotimia. Quando meu psiquiatra e minha psicóloga chegaram ao diagnóstico, pesquisei o que afinal era essa coisa da qual nunca tinha ouvido falar. E me assustei: não havia definição melhor para o que me afligia há tanto tempo que nem conseguiria precisar. Sou distímica. Muito distímica. E entrei em desespero.

Vou colar aqui uma das definições que encontrei na internet. Aposto que existe muito distímico por aí que nem suspeita ter uma doença.

“A distimia é uma doença do humor, como a depressão, porém ocorrendo de uma forma crônica, com a persistência de tristeza por longo tempo (pelo menos dois anos), durando a maior parte do dia, na maioria dos dias. Sintomas:

*   Falta de apetite ou apetite em excesso
* Insônia ou hipersonia
* Falta de energia ou fadiga
* Baixa da auto-estima
* Dificuldade de concentrar-se ou tomar decisões
* Sentimento de falta de esperança

Características associadas
Estudos mostram que o sentimento de inadequação e desconforto é muito comum, a generalizada perda de prazer ou interesse também, e o isolamento social manifestado por querer ficar só em casa, sem receber visitas ou atender ao telefone nas fases piores são constantes. Esses pacientes reconhecem sua inconveniência quanto à rejeição social, mas não conseguem controlar. Geralmente os parentes exigem dos pacientes uma mudança positiva, mas isso não é possível para quem está deprimido, não pelas próprias forças. A irritabilidade com tudo e impaciência são sintomas freqüentes e incomodam ao próprio paciente. A capacidade produtiva fica prejudicada bem como a agilidade mental. Como a distimia não é suficiente para impedir o rendimento, apenas prejudicando-o, as pessoas não costumam ir ao médico, mas quando não conseguem fazer mais nada direito, vão ao médico e descobrem que têm distimia também.
Os pacientes que sofreram de distimia desde a infância ou adolescência tendem a acreditar que esse estado de humor é natural deles, faz parte do seu jeito de ser e por isso não procuram um médico, afinal, conseguem viver quase normalmente.

Fonte: http://www.psicosite.com.br/tra/hum/distimia.htm

Com este blog, pretendo partilhar sensações e experiências com outras pessoas que estão no mesmo barco em todo o país. Quem sabe, possa ajudar alguém enquanto me ajudo. O tratamento é longo e difícil, mas estou tentando melhorar. Encontrar um pouco de esperança, para variar.